revista ensaia/ edição zero_junho2015/ LÍNGUA
Os gritos em vão
Ninguém a quem dizer
que não temos nada a dizer
e que o nada que nos dizemos
continuamente
nós nos dizemos
como se nada nos disséssemos
como se ninguém nos dissesse
nem mesmo nós
que não temos nada a dizer
ninguém
a quem dizer
nem mesmo a nós
Ninguém a quem dizer
que não temos nada para fazer
e que não fazemos nada além disso
continuamente
o que é uma maneira de dizer
que não fazemos nada
uma maneira de não fazer nada
e de dizer o que fazemos
Ninguém a quem dizer
que não fazemos nada
que não fazemos
mais do que aquilo que dizemos
ou seja nada
Ghérasim Luca, 1976
(tradução de Annie Cambe e Laura Erber)
A palavra se deu um
t e m p o s i l e n c i o s o. Espalhou
o boato de que a
algazarra forçaria o bloqueio
d o f u n d o e da
f o r m a , mas o fundo da
a m e a ç a n ã o era
tão obscuro quanto a forma.
Não podemos portanto
c o n c l u i r nem num r e c u o
n a d i r e ç ã o d o s i l ê n c i o s e m
fundo nem num futuro ato
de algazarra sem forma.
Sua declaração elíptica desta
noite não vaza o segredo.
Ghérasim Luca, 1976
(tradução de Laura Erber)
Os dois poemas foram originalmente publicados, com ilustrações do autor, no livro Paralipomènes, pelas edições Le Soleil Noir (Paris, 1976), dirigidas por François Di Dio, célebre editor de livros-objeto e livros que propunham parcerias entre poetas e artistas visuais. As edições Le Soleil Noir foram também responsáveis pela primeira edição de Héros-Limite, de Luca, que incluía 3 desenhos e uma gravura de Jacques Hérold. A editora encerrou seus trabalhos em 1983. Paralipomènes foi reeditado em 1986 pela editora José Corti, atual responsável pelas publicações de Luca. Em 2001 o livro foi incorporado à antologia Héros-Limite suivi de Le chant de la carpe et Paralipomènes, editada pela Gallimard.
Ghérasim Luca nasceu em 1913 ou 1914 em Bucareste. Na década de cinquenta instalou-se em Paris onde viveu, como apátrida, até 1994. Traduziu vários de seus textos para o francês, língua que adotou ainda na década de quarenta enquanto participava do movimento surrealista romeno. A partir dos anos oitenta a editora José Corti passou a publicar sua obra.
Annie Cambe é tradutora e professora de tradução, com graduação em Letras (Espanhol e Português) pela Université Aix-Marseille e especialização em tradução português-francês pela UFRJ. Nascida em Avignon, naturalizou-se brasileira em 1998.
Laura Erber é artista visual, escritora, doutora em Estudos de Literatura pela PUC-Rio e professora adjunta do curso de Estética e Teoria do Teatro da Unirio. É autora, entre outros, de Ghérasim Luca (Eduerj, 2012) e Esquilos de Pavlov (Alfaguara, 2013), e integra o conselho editorial da revista Ensaia.